Deus e o diabo na vida de Heleno

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Durante os dez anos em que jogou futebol na década de 40, perambulando pelo Brasil, Argentina e Colômbia, Heleno de Freitas não só deu um nó nas pernas de seus adversários como na cabeça dos torcedores. Heleno era pura zorra. Mas antes de qualquer coisa, Heleno de Freitas era um craque. Um craque com mania de perfeição. Alguém pode perguntar: mas não é bom ter um craque com mania de perfeição? Seria, se ele só azucrinasse adversários e juizes e não deixasse os nervos de seu time em pandarecos. Ele chegava ao cúmulo da delicadeza de dar cascudos nos companheiros que não dominassem corretamente algum dos seus esplendorosos lançamentos. Era o inferno. Fim de jogo, Heleno virava um santo.

Até 1947, apesar das encrencas que escapuliam pelo ladrão do estádio da General Severiano, Heleno esteve por cima da carne seca. Os seus contratos eram os mais gorduchos da época. Em um deles, Heleno chegou a exigir um professor de inglês. Não que ele estivesse pensando em encher o bolso de dólares e deixar o Botafogo na mão. Dizem que a exigência era para saber esculhambar com propriedade os inúmeros juízes ingleses que eram contratados a peso de ouro para colocar ordem em jogos do Rio e São Paulo.

Fora de campo, Heleno  era de relativa paz, vivendo a boemia carioca sem grandes estrepolias. O famoso Cassino da Urca era sua praia. Mas quando o carrancudo presidente Dutra resolveu fechar os cassinos naquele mesmo ano, Heleno percebeu que havia algo esquisito no ar.

O esquisito começava pela falta de títulos. Desde que ele chegara ao Botafogo, o time não havia conquistado nada. E, em 1948, já havia oito anos na fila, o presidente do Botafogo, Carlito Rocha, não sabia mais como acalmar o espírito do jogador. Nem da torcida. Foi quando veio a bomba: o poderoso Boca Juniors oferecia 600 mil cruzeiros pelo passe de Heleno. Para o Botafogo, cujo maior craque era o campeão de expulsões da história do clube, aquela pareceu a melhor saída.

Heleno de Freitas chegou a Buenos Aires com a bola toda. Ele acabara de se casar com a rica Hilma Fraques, no Rio de Janeiro. Tudo indicava que o inferno astral de Heleno estava no fim. O problema no Boca Juniors foi que as estrelas eram muitas. Heleno foi ficando meio que de escanteio. Aí veio um certo jogo em que o Boca jogava como se Heleno não existisse. Ninguém passava a bola pra ele. Numa sobra, Heleno driblou três, fez uma jogada espetacular e, quando se preparou para servir algum companheiro, percebeu que todos estavam parados atrás, de pura provocação. Heleno não pensou duas vezes. Deu um bico para a geral, acertando o orgulho argentino no queixo. Era o começo do fim de Heleno na terra de Gardel.

De volta ao Brasil, Heleno ganha um filho e um contrato com o Vasco. O time é campeão de 1949, mas no final da temporada, Heleno está na rua de novo. Não por muito tempo. Contratado pelo Junior de Barranquilla da Colômbia, time milionário na época, Heleno chegou como ídolo e caçando discórdia. Não passou de meia temporada na Colômbia.

Novamente ao Brasil, aos 30 anos, Heleno resvala no Santos e no América. E jogando pelo América faz, em setembro de 51, sua primeira partida no Maracanã e a última de sua curta carreira. Neste jogo, mais uma vez é expulso, depois de levar à loucura adversários e juiz. Para muitos, naquele momento, a loucura, porém, estava em Heleno.

Foi quando veio à tona a verdadeira história de Heleno de Freitas, que só os mais íntimos suspeitavam. Além do deus e do diabo que se revezavam na alma do craque, existia a sífilis que lhe consumia o cérebro. Durante grande parte de sua breve e fantástica carreira de futebolista, a face diabólica de Heleno se alimentou da doença. Mas era tarde. A sífilis estava em estágio avançadíssimo e nem um caminhão de antibióticos a brecaria. Depois de zanzar por casas de saúde do Rio e Belo Horizonte, Heleno foi parar num sanatório em Barbacena. Ali ele permaneceu por seis anos. As imagens dos tempos de glória foram suas companheiras até o dia de sua morte, em 8 de novembro de 1959, aos 39 anos.

 

 

 

 

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